João era um bom homem que não tinha sorte nessa vida.
Onde colocava a mão, se machucava, onde planejava com cuidado, apareciam coisas incríveis que o tiravam do rumo certo.
João era um cara normal, mulher, filho, casa, carro, emprego, pouco dinheiro.
Como eu e você, sempre tentando.
Sem vícios, sem amigos, poucas alegrias. Só queria conseguir realizar um desejo sem ter problemas pelo caminho. Não conseguia. Nunca.
João decidiu que estava farto daquilo tudo e queria dar cabo da própria vida.
Começou, então, a planejar sua partida. E a ter novos problemas.
Poderia pegar o carro, entrar na rodovia pela contramão, mirar na primeira carreta e pronto, resolvido. Pensou. E se não morresse? Se ficasse apenas paralisado para o resto da vida, tendo que receber cuidados especiais, sem poder falar, andar, pensar? Ainda acabaria tendo que pagar o conserto da carreta, e seu carro não tem seguro. Melhor não.
Arma de fogo! Getúlio, Hitler, Cobain, tantos exemplos! Um só tiro, no peito, na cabeça, pronto. Pesquisou maneiras, avaliou calibres e seus poderes de parada, entrada, saída, etc e tal. Agora precisava da arma e tudo estaria acabado. João era um homem bom, não sabia onde conseguir uma pistola ou um revólver velho que fosse. Ficou por alguns minutos em frente aquela rua escura onde sempre via gente suspeita passando, e pensando que ali talvez houvesse uma arma que pudesse levar consigo. Compraria se preciso fosse. Com o dinheiro da escola das crianças, até. Mas aí suas crianças ficariam sem escola, e logo estariam naquela mesma rua. Suspeitos. Talvez até culpados. Melhor não.
Uma corda presa em algum lugar alto, uma cadeira, um salto e… pescoço quebrado, cadeira de rodas, tetraplegia, cuidados especiais que seu plano de saúde jamais arcaria.
Menos opções, menos saídas, as portas estavam se fechando para João. Janelas! Sim, quinto andar, um salto, uma pirueta e acabou. Plaft. Os vizinhos acordariam com o barulho, chamariam a polícia e tudo estaria terminado. Finalmente a solução perfeita.
João estava decidido, seu cuidadoso planejamento finalmente lhe renderia bons frutos, um plano infalível, mesmo que fosse o último. Sucesso, enfim!
Entrou em casa no que seria a última vez, beijou a esposa e as crianças, jantou, sereno e confiante. Viu o telejornal com desdém, já não seriam mais problemas seus aqueles números mornos, os fatos chocantes, a calamidade pública, a previsão do tempo e nem tampouco o próximo capítulo da novela. Sorriu.
Aproxima-se a hora derradeira, João coloca as crianças na cama, dá boa noite, cobre a esposa que, exausta, já repousava ao fim de um longo e cansativo dia, e a beija calmamente.
Com a certeza da vitória sobre as adversidades, sorri novamente, cheio de si. É doce o gosto do sucesso. A última cerveja da vida, gelada na temperatura certa, contando os minutos.
A melhor roupa é separada, sem fazer barulho para não acordar ninguém. Um banho gelado pra enfrentar a longa viagem é tudo que falta. A água fria não aplaca o pensamento, não mata o desejo, está tudo definido, planejado e resolvido. Cai o sabonete, dane-se, não precisa mais. Está limpo. Só precisava se lembrar do sabonete caído antes de escorregar nele e bater com a cabeça na parede. Morreu na hora.
João era um bom homem que não tinha sorte nessa vida.